16.6.13 BLOG SIMONE GALIB 0 Comments

Praça Taksim: hoje o centro das manifestações em Istambul 
A praça Taksim é um dos locais mais movimentados da cidade

Haghia Sophia, um dos cartões postais da cidade
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Os bancos da praça em frente à Mesquita Azul: ponto de encontro


ISTAMBUL E SÃO PAULO: UMA INUSITADA UNIÃO




por SIMONE GALIB

  Voltei recentemente de Istambul, a mais cosmopolita cidade da Turquia, onde passei 25 dias de férias. Não havia ali nada que denunciasse qualquer movimento político, nenhum cheiro de bomba de gás lacrimogêneo no ar, a polícia estava nos quartéis, as ruas forradas de turistas do mundo inteiro, que transitavam de um lado para o outro, felizes e seguros, e os jovens curtiam futebol, cafés, baladas, compras, namoros nas praças, absolutamente tranquilos. Aliás, quase não se via polícia nas ruas onde você pode trafegar tranquilamente sem medo de que sua bolsa, sua máquina fotográfica e seu celular sejam furtados a qualquer momento. Apesar de um trânsito pesado, de carros que transitam em mão dupla pelas ruas estreitas do centro antigo, a cidade é extremamente segura, limpa e organizada. O maior assédio, se é assim que posso dizer, parte dos comerciantes ou dos vendedores que sempre nos abordam tentando vender -a um preço sempre negociável - seus artigos originalmente made in Turkey, como os tapetes e lenços de seda, aliás, maravilhosos. Não se pode parar em frente a qualquer vitrine de uma loja que automaticamente você é convidado a entrar, tomar um "thai", o tradicional chá turco e comprar, mas tudo sempre com muita gentileza e educação. Os turcos tratam muito bem os turistas, são simpáticos e atenciosos - não importa de onde você venha. Afinal, sabem que são eles alguns dos principais responsáveis por seus empregos e pela economia em ascensão do país. Eles também demonstram amar sua cidade e aproveitam todas as áreas livres, como a orla, parques e praças para encontrar amigos e fazer piquenique com a família. Sim, é prática comum ali abrir suas cestas nos canteiros (sempre floridos e bem cuidados), nos parques e até mesmo em uma ilhota no meio da avenida para fazer churrasco. São cenas cotidianas.

Esta foi a Istambul que encontrei, que me recebeu maravilhosamente bem e que me encantou, porque é, sim, uma cidade que acolhe e tem paisagens únicas, repletas de história, de aromas, de especiarias e de sabores inusitados.  Fiz amigos, conversei com muita gente, troquei ideias, informações, impressões. Não havia ali nada que denunciasse nenhum ativismo político, depredações ao patrimônio público -ao contrário, ele é excessivamente bem preservado - rebeldia juvenil ou até mesmo insatisfação com o governo do premiê Recep Tayyp Erdogan. Mesmo com uma população predominantemente muçulmana, os jovens parecem não se submeter a costumes rígidos, quer seja no vestuário ou no comportamento. Istambul -no final do inverno e começo desta primavera- aparentemente respirava liberdade. Mas os jovens turcos estavam insatisfeitos e foram às ruas para impedir que as árvores de um parque em Taksim fossem derrubadas para a construção de um shopping center. A princípio, achei normal porque vi o quanto eles usufruem de suas belas áreas verdes. Natural defendê-las. Depois, entendi: os jovens turcos estavam sendo porta-vozes de uma população descontente com suas condições salariais, com o custo de vida, que é infinitamente menor que o nosso, e principalmente pela ameaça da implantação do conservadorismo religioso. A polícia partiu para cima com violência. O governo, pego de surpresa, evitou a negociação, mas diante da série de protestos e da repercussão internacional precisou voltar atrás. O presidente pediu desculpas. Mas os jovens não arredaram pé e o movimento começou a crescer. Em menos de um mês eu via, pelos jornais e internet, uma cidade totalmente diferente e cuja paisagem seria inconcebível para mim, porque a mudança foi rápida, radical e na velocidade da luz! 



MUDANÇA DOS VENTOS

 Se eu já estava surpresa com o que havia acontecido em Istambul, fiquei muito mais ainda com o que vi na última semana em São Paulo. Se os jovens turcos inspiraram os brasileiros? Não se pode afirmar com convicção, mas acredito que tenham jogado o fósforo: se brigavam contra a derrubada de árvores do parque, por que aqui onde temos milhões de motivos mais sérios, nada acontecia? Se em Istambul, onde o turismo faz a festa, o comércio nunca fecha e os jovens começam desde cedo a trabalhar, sem folga, e não são assassinados em assaltos, havia um nó preso na garganta e um grito de alerta por um  mundo melhor, por que aqui onde eles não conseguem trabalho, perdem amigos, pais e familiares vítimas da violência, enfrentam um péssimo transporte coletivo, uma educação deficitária, um sistema de saúde desumano e não têm exemplos políticos positivos, porque convivem desde cedo com a impunidade e a corrupção que partem de seus próprios governantes, haveriam de se calar? Foram à luta e despertaram a pátria, que aparentemente estava adormecida sobre as chuteiras.

    Istambul e São Paulo têm situações, cultura e problemas diferentes, mas acabaram ganhando um aliado em comum: a truculência da polícia e o descaso do governo, que deu força aos dois movimentos. A repressão policial ultrapassou fronteiras. A mídia online derrubou todas as barreiras. Hoje, as duas cidades estão unidas em um mesmo ideal: mudar o que não está correto, derrubar máscaras e exercer a democracia, sem violência, vandalismo ou depredações. Que os jovens turcos acampados na praça Taksim continuem servindo de exemplo para os brasileiros que começam a se mobilizar. Eles estão firmes e não arredam pé da praça até que suas reivindicações sejam atendidas. Que todos eles, os daqui e os de lá, exerçam seu papel legítimo e democrático de se manifestar sem se deixarem intimidar pela repressão policial. E que, acima de tudo, também impeçam a infiltração da violência em seus movimentos. Sabemos que todas as grandes mudanças exigem sacrifícios e que é preciso passar pelo caos, muitas vezes, para se atingir a iluminação. Fico realmente feliz que os brasileiros estejam acordando. Não sabemos exatamente como tudo isso irá acabar, mas estamos vivendo novamente um momento muito importante de nossa história e acho que já tem muita gente perdendo o sono... 

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